segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O anarquismo na revolução

Na realidade, existe uma não pequena confusão sobre o que seja anarquismo. O próprio termo foi usado por vários autores antes de Bakunin, nomeadamente por Proudhon (que não foi o primeiro). Estes estavam conscientes que o termo estava conotado com o conceito de caos, desordem. Porém, eles acreditavam que a negação da «arquia» ou seja do poder, entenda-se do poder político, do poder sobre os outros, se tornaria o sentido predominante. A burguesia, vendo que era uma teoria que acrescentava perigo às «classes perigosas», decidiu estigmatizar o termo como sinónimo da pior desordem social.

Apesar disso, a realidade dos meados do século dezanove fez com que o anarquismo esteve muito mais próximo das classes populares e inspirou muito mais os revolucionários da Iª Internacional, do que o comunismo/socialismo/social-democracia, autoritários, protagonizados por Marx e todos os que consideravam que a formação de partidos, capazes de disputar as eleições e obter deputados nos parlamentos, era a única saída para a classe trabalhadora.

A primeira revolução proletária, a Comuna de Paris, mostrou ao próprio Marx que a comuna era a forma orgânica de poder popular, um tipo de governo federalista, onde todas as secções estavam mobilizadas para realizar as tarefas da revolução, sob controlo permanente das assembleias.

Alguns anos mais tarde, em 1905, na primeira grande revolta do proletariado russo, surgiu uma forma de organização, os conselhos de operários ou sovietes, das fábricas em greve, das fábricas ocupadas, inspirada pelos anarquistas russos e que ia beber à comunidade rural tradicional (o Mir) que ainda estava viva neste época e que Kropotkine descreveu. Eram estes os verdadeiros sovietes!

Após a revolução de Fev. de 1917 estes ressurgiram, uns saindo da clandestinidade, outros organizados pela primeira vez, nomeadamente os sovietes de soldados. Foi uma habilidade de Lenine, maquiavélica, de fazer crer que o partido bolchevique estava com a organização dos sovietes, o famoso slogan «todo o poder aos sovietes», que proclamou após o triunfo do golpe de 7 de Novembro de 1917: foi exactamente o princípio do fim dos sovietes como organismos de organização do povo, do proletariado.

O último soviete livre, o de Kronstadt, de onde tinha partido a insurreição da marinha, foi afogado no sangue pouco tempo depois, em 1921 (http://www.struggle.ws/russia/mett/background.html).

Mas os libertários tiveram outras experiências de organização federalista, horizontal, em democracia directa: qualquer revolução ocorrida na Europa, após a revolução russa, recorreu aos conselhos de operários insurrectos: foi assim nas comunas de Berlim e Munique, na república dos Conselhos húngara, biénio rosso italiano, na vaga de greves que acompanhou a vitória do Front Populaire em França e por fim, na revolução espanhola.

Nestes episódios trágicos, os comunistas autoritários frequentemente tiveram um papel de controlar e depois de abafar esses embriões de poder popular. Eles nunca deixaram que os trabalhadores assumissem uma verdadeira auto-gestão. Eles mantiveram o sindicalismo estritamente ligado a um corporativismo, reaccionário e ineficaz. Negaram e combateram o sindicalismo revolucionário, mesmo quando se auto-proclamavam como tal. Estiveram sempre do lado do poder, pois sempre foram idólatras do poder, apenas usando retórica revolucionara.

O sectarismo foi sempre o traço dominante do seu pensamento. Fomentaram as divisões sindicais, tornaram difícil ou impossível a constituição de frentes de resistência ao fascismo em crescimento nos anos 20, apenas mudando de táctica quando já mais de metade dos países da Europa estavam com regimes fascistas (nos anos 36- 39 a Alemanha, a Polónia, a Hungria, a Roménia, a Jugoslávia, a Albânia, a Grécia, a Bulgária, a Itália, Portugal eram regimes fascistas ou fascizantes).

Os anarquistas que estavam nos sindicatos foram apelidados de «anarco sindicalistas» pelos leninistas, que pretendiam assim estigmatizar, isolar, apontar do dedo, aqueles que não aceitavam a hegemonia do PC sobre o movimento social e sindical. Os sindicalistas revolucionários autênticos tentaram evitar as rupturas, bateram-se para que houvesse uma frente unida sindical. Porém, os bolcheviques das diversas tendências digladiavam-se como hoje, para ver quem hegemonizava o movimento sindical. Por isso o movimento sindical acabou por ser esmagado, a república espanhola foi esmagada pelos fascistas de toda a Europa e não apenas pelas tropas de Franco. Graças a isso Estaline pode fazer o seu pacto germano-soviético, com a partilha da Polónia como prémio. Assim começou a IIª guerra mundial. O povo russo pagou bem caro a loucura do seu ditador. A destruição que sofreu o povo soviético foi muito maior porque Estaline não queria dar nenhum sinal
de que tinha qualquer desconfiança para com Hitler!

As pessoas são mantidas na ignorância da história dos movimentos revolucionários, insurreccionais, porque não vão procurar as visões menos ortodoxas, aceitam com uma candura impressionante os «clichés» que são propagados pelos livros escolares de História, ou pelas cartilhas dos partidos ditos «operários».

Se nos debruçarmos para compreender verdadeiramente a realidade desses movimentos insurreccionais, vemos que eles não obedecem de forma nenhuma aos esquemas simplistas que os ideólogos propagam.

Hoje igualmente, com a insurreição grega, passa-se a mesma coisa. Os média ao serviço do poder não explicam o contexto, apenas assustam as pessoas com imagens de «violência».

Manuel Baptista

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Declaração Sobre Gaza

A existência de um morticínio, aqui à nossa porta, em Gaza, é um sinal da barbárie instalada. Recusamos a chamar a isso «acção de guerra»; a acção punitiva de Israel é uma violação das convenções de Genebra e dos mais elementares direitos humanitários, inserindo-se na actuação genocida de que os palestinianos têm sido vítimas. De facto,

O ataque a populações civis tem sido efectuado continuamente
Os civis são impedidos de sair da zona por um cerco continuado que dura desde que o Hamas teve a maioria em 2006 (não só em Gaza, em todo os Territórios palestinianos, com 70% dos votos)
Os civis são sujeitos a uma contínua e planeada escassez de alimentos, água potável, energia, medicamentos, etc., intensificada nesta ocasião pelos israelitas.
Os ataques são motivados pelo desejo de eliminação física de inimigos políticos, sendo os alvos declarados figuras políticas do movimento Hamas e da restante resistência palestiniana.
As acções de guerra de Israel são muito mais do que actos de retaliação pelos foguetes disparados a partir de Gaza, não só pela sua desproporção (mais de 400 mortos do lado palestiniano, contra 4 mortos do lado Israelita), como pelo facto de se mostrarem ineficazes.

O objectivo dos sionistas de Israel é claro: pretendem, nesta «janela de oportunidade», entre a passagem de poderes de presidente dos EUA, resolver o «problema do Hamas», com a conivência da chamada Autoridade Palestiniana. Sucede que o "problema Hamas" nasceu do repúdio dos palestinianos pela corrupção da Autoridade a qual, para subsistir, necessita do apoio político e material de Israel. E os massacres levados a cabo por Israel, não só acentuam a resistência do povo ao inimigo sionista, como isolam a Autoridade, obrigada a brandos protestos contra as acções de Israel.

Israel é uma entidade totalmente ilegítima, uma vez que se constituiu sobre territórios conquistados pela guerra ou usurpados por leis racistas, de acordo com as quais, os palestinianos em particular e os árabes em geral são uma "raça" inferior, sem direito à legitimidade emanada dos seus textos "sagrados".

O seu objectivo, desde o início da ocupação é expulsar a população palestiniana de Gaza e da Cisjordânia, com políticas que tornam a vida normal impossível para as populações. Agora, como nos massacres de 1948 pretendem gerar uma situação de força para aceitarem, e devido tempo, uma trégua onde os palestinianos terão a oportunidade «generosa» de fugir desse inferno, do maior campo de concentração que jamais existiu!

Estamos perante um genocídio encapotado, iniciado antes da fundação do próprio estado sionista, assumindo, em certos momentos, características de «limpeza étnica». Não esqueçamos que o slogan do movimento sionista (já no século XIX) era: «para um povo sem terra (o povo judeu) uma terra sem povo (a Palestina)», pretendendo fazer passar a ideia de que a Palestina seria um quase deserto e negando, portanto, a existência do povo palestiniano constituído por gente de confissões religiosas distintas (muçulmanos, judeus e cristãos) vivendo sem conflitos confessionais.

O que permite isto tudo é a atitude de falsa neutralidade dos poderes ocidentais, incluindo a posição hipócrita de europeus, que se pretendem numa posição de equidistância quando, na verdade, é um povo inteiro que está a ser martirizado por um poder colonial. Quando considerarem a limpeza étnica suficiente, os europeus, com capacetes azuis ou de outra cor, legalizarão tudo como fizeram em relação à ex-Jugoslávia, pretendendo estabilizar uma partição étnica que Israel nunca considerará acabada enquanto não constituir o seu Eretz Israel, estado "etnicamente puro" mas, com bantustões árabes fornecedores de mão de obra precária e barata nas imediações.

Uma parte importante da opinião pública é iludida com a ideia racista de que os israelitas «são como nós» europeus, sendo os palestinianos «árabes». Isso é falso, primeiro, porque não existe um fosso político e cultural tão grande entre a população palestiniana, em que uma fracção importante adopta uma atitude laica em religião e tem um posicionamento semelhante às várias correntes políticas e ideológicas do ocidente. Depois, porque etnias ou diferenças civilizacionais não constituem fontes de legitimidade para uma classificação de um povo como superior ou inferior em relação a outros.

Trata-se, neste momento, de denunciar uma imagem falsa, difundida pelos órgãos responsáveis da UE de equidistância neutral, como se tudo se tratasse de um desaguisado entre detentores de direitos legítimos. Não há equivalência, mas, um lado agressor, opressor, colonial, culpado de genocídio e criminoso de guerra (o lado israelita) e um lado agredido, oprimido nos seus anseios legítimos, no seu direito à própria vida, vítima num genocídio que se estende por gerações (o lado palestiniano). Mesmo quando este último recorre a uma legítima e justa luta armada, a tratar-se de um combate entre «David e Golias», David, não é o futuro rei dos Judeus, mas um pastor palestiniano, lutando pelo direito à existência.

O Colectivo Luta Social (Portugal)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

TRAIÇÃO SINDICAL


Nos Açores, está em curso uma revisão do ECDRAA - Estatuto da Carreira Docente dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário e dos Educadores. Nos próximos dias realizar-se-ão negociações entre o Governo e os dois maiores sindicatos, o SDPA, filiado na FNE(UGT) e o SPRA, membro da FENPROF (CGTP).

Este último sindicato, contráriamente ao que seria de esperar (ou não) tem sido um grande aliado do Governo Regional dos Açores. Com efeito, nos últimos tempos, dirigentes e delegados sindicais seus têm boicotado todas as iniciativas independentes dos professores dos Açores apelando à revisão/revogação do Estatuto em vigor e a suspensão do actual modelo de avaliação.

Curiosamente os seus dirigentes não têm qualquer "complexo" em aparecerem nas manifestações espontaneas que se têm realizado em Ponta Delgada.

Para que não não caia no esquecimento, abaixo transcrevo o relato de um plenário do SPRA onde convidado de honra esteve presente Álamo Meneses, o pai do ECDRAA e do modelo de avaliação que se pretende remendar.

Aqui vai:


Vocês sabiam que em Outubro de 2006 o presidente (Armando Dutra) do maior sindicato açoriano (SPRA) teve o desplante de convidar para um plenário desse sindicato o secretário regional da educação (que é o equivalente a um ministro da educação para os açores). Pois é o tal secretário regional da educação (Álamo de Meneses) que em Janeiro de 2002, à laia de Hitler, implantou um regime de concursos xenófobo que entretanto também se generalizou á Madeira. Este artista segue a linha de pensamento de pessoas como : José Sócrates ou Mª de Lurdes Rodrigues com a diferença de ter um pouco menos de vergonha na cara. Só para terem uma ideia este secretário regional da educação (Álamo de Meneses) já chegou a dizer em reuniões com sindicatos coisas como : 1) “Quem não está satisfeito não venha trabalhar para cá !!! “ 2) “Não lhe agrada esta ou aquela norma do ECD ? mas olhe que não faltam pessoas que querem ser professores !” 3) Relativamente ao regime de faltas , atestados etc disse : “Até nos internamentos eu hei-de meter a unha ” Quanto ao ECD para os Açores que não hajam ilusões é a mesma Mer… e o processo negocial também !!! ou seja: é inexistente e pelos vistos o secretário regional da educação (Álamo de Meneses) já anda a manipular os sindicatos pela pessoa do Sr Armando Dutra, que agora já o convida para plenário sindicais. HAJA VERGONHA !!! Falta explicar o que aconteceu no referido plenário. Sim, afinal o que faz um secretário regional da educação num plenário sindical ? Fez o que todos os políticos fazem quando lhe surge muita gente pela frente: “política essencialmente”. Mas não foi uma política qualquer, os nossos políticos estão a desenvolver um novo estilo de fazer política e o ataque aos funcionários do estado faz parte da estratégia. De uma forma mais ou menos explicita este bicho teve a lata de deixar mensagens do género : 1) não julguem que aqui o ECD vai ser diferente !!! ; 2) os professores trabalham pouco ; 3) os professores faltam muito ..é uma vergonha a quantidade de atestados que surgem colados às férias de Natal ; etc Ou seja para além de fazer política gozou claramente na cara dos presentas. Bem e querem saber a melhor… a generalidade dos professores ouviu e aplaudiu … É caso para dizer: « têm o que merecem !!!» (e aqui não posso dizer “temos” porque eu demarco-me claramente deste tipo de palhaços e palhaçadas).

Extraído daqui: http://www.saladosprofessores.com/index.php?option=com_smf&Itemid=62&topic=7340.0

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Boicote o Natal, contra o consumismo compulsivo!



O capitalismo tem como uma das suas bases de exploração e opressão a imposição do consumismo sem peias, alimentado por uma estrutura de propaganda nos moldes fascistas e nazistas. Introjetam diáriamente uma falsa necessidade de usar coisas superfluas, das quais se não usamos, ficamos infelizes e ansiosos para te-las o mais rápido possível.
Não há ou não havia limites para este modelo de consumismo desenfreado, mas como tudo tem um fim, o consumismo compulsivo pregado pelo capitalismo chegou no limite, o planeta já não tem como absorver tanto lixo produzido e agora precisa rever sua própria estrutura. A base fundamental do capitalismo, que o reproduz está em crise e temos que contribuir que não saia dessa crise, levando a um colapso de produção e distribuição. Nossa classe deve se organizar para assumir e apresentar uma nova forma de produção e distribuição em que sustente ao mesmo tempo todos que precisam e produzem, e manter o planeta vivo!
Muitos querem fazer uma revolução, mas revoluções precisam de um começo, porque não boicotando o natal, não consumindo da forma que pregam aos quatro ventos as propagandas.
Aqueles que buscam na data um significado religiosos, deveriam questionar suas igrejas, padres e pastores porque não compartilham suas riquezas, afinal a proposta fundamental neste período é compartilhar, não só os sentimentos, mas as riquezas materiais, que ajudariam milhões de almas na terra!
O Vaticano está podre de riqueza, temos aqui várias seitas evangélicas nadando de braçada em milhões de reais, isso enquanto seus fieis estão iludidos, entregando sua parcas economias à promessas vazias e incertas!
Mas tudo, bem cada um com a sua, mas não oprimam, não explorem a ignorãncia e esperança de muitos, condenando-os a trabalharem como seus escravos na terra, para uma suposta redenção em algum lugar abstrato.
E depois, nós é que somos utópicos!!!! Enquanto esperam Deus salvar, porque não redimir os problemas sociais com uma revolução? Para um suposto Deus, isso seria louvável!
Então reflita, não contribua para as fraudes natalinas, não alimente o consumismo compulsivo e nem religiões farsantes!
Nada temos a perder, a não ser nossas algemas!!!

Texto extraído da página Web do Sindicato de Artes e Ofícios Vários de Campinas

sábado, 27 de setembro de 2008

Eleições, representatividade e outras enganações


por ORGANIZAÇÃO RESISTÊNCIA LIBERTÁRIA (ORL)

Exatamente no momento em que o capitalismo arrasta a humanidade para
impasses cada vez mais profundos e à medida que a dinâmica da economia
mundial reduz cada vez mais as margens de atuação dos Estados nacionais,
tornando-os a cada dia mais impotentes para conter o aumento da miséria e
das desigualdades sociais, minando assim as bases de sua legitimidade, a
esquerda, assim como a direita, nos oferecem mais uma vez o mito das
eleições e da democracia representativa como remédio para todos os males.
Em vez de um chamado à luta contra a sociedade do capital, nos convocam,
em coro afinadíssimo, a renovarmos nossa fé nos políticos, no Estado e no
próprio capitalismo.

Nada mais natural do que isso, e seria absurdo esperar o contrário. Afinal
de contas, pese às diferenças que ainda possam existir entre direita e
esquerda (e elas são cada vez menores e menos perceptíveis!), ambas
colocam-se num mesmo círculo de fogo que limita suas disputas ao controle
do Estado burguês e à conseqüente e inevitável defesa da ordem
capitalista.

AS ELEIÇÕES E A MISTIFICAÇÃO DO ESTADO

As eleições, ainda que sejam apresentadas como o ápice, e muito comumente
como a única forma de participação política nas sociedades de capitalismo
democrático, são na verdade uma mistificação conservadora e uma forma de
alienação política, visto que tratam sempre de uma transferência de poder
para outros e do abandono da luta direta contra o capital em nome de
medidas reformistas e democratizadoras, hoje cada vez mais difíceis de
serem realizadas.

Durante mais de um século, as esquerdas, tanto quanto a direita, prestaram
ao capital o precioso serviço de mistificar o papel do Estado e ajudaram a
disciplinar e circunscrever as lutas no interior da sociedade capitalista
aos limites da institucionalidade burguesa.

A direita cretina sempre mistificou o papel do Estado, porque afinal de
contas ela é naturalmente uma defensora ardorosa da barbárie capitalista,
e por isso, sempre se serviu do Estado para defender a ordem e os
interesses da classe dominante. Já a esquerda reformista (e também a
bolchevique!), também mistifica o Estado na medida em que o considera como
um instrumento, que tanto pode ser colocado a serviço da burguesia como da
classe trabalhadora, dependendo de quem o controla. É nessa visão
instrumental que ela vai buscar justificativa e legitimidade para seu
projeto político de controle do aparelho estatal. A mistificação, neste
caso, consiste em abstrair o Estado da rede de relações sociais
capitalistas da qual é parte e apresentá-lo como um ente autônomo em
relação ao capital. Dessa forma, o Estado é apresentado de forma
invertida: de agente ativo do processo de dominação capitalista e defensor
dos interesses da classe dominante, ele aparece como principal agente de
mudança e defensor dos interesses da classe trabalhadora.

A própria realidade da economia capitalista atual se encarrega de
desmentir essa mistificação, visto que hoje ela possui uma capacidade
inigualável de se impor aos Estados nacionais, reduzindo cada vez mais
suas margens de autonomia para definir até mesmo suas prioridades de
investimento. Estes se direcionam cada vez mais para atender o setor
privado, ao passo que diminuem no setor público, degradando cada vez mais
os serviços públicos fundamentais como saneamento, saúde, educação,
previdência, etc. Mesmo os Estados mais poderosos tiveram que adaptar-se
aos imperativos do capital mundializado, de forma a muni-lo de condições
favoráveis de lucratividade, encarregando-se de providenciar-lhe recursos
e meios institucionais que lhe garantam apropriar-se destrutivamente dos
recursos naturais e arrancar sem dó o couro de uma força-de-trabalho cada
vez mais fragilizada e em condições de super-exploração.

Por outro lado, é exatamente porque o capitalismo provoca um aumento da
exploração e das desigualdades, que ele também provoca incessantemente a
necessidade de conflitos sociais. Como não pode fazer um uso generalizado
da violência, e ao mesmo tempo precisa resguardar o domínio do capital e
da classe dominante contra ataques ameaçadores, o Estado é obrigado a
recorrer constantemente a mecanismos institucionais de arregimentação e
disciplinamento das lutas.

Trata-se sempre de tentar circunscrever as lutas aos limites da
institucionalidade e as disputas políticas internas ao sistema
representativo burguês (eleições, disputas entre esquerda e direita, etc.)
como forma de desviá-las do combate direto contra os poderes econômicos e
estatais. Não foi por outro motivo que a sociedade de mercado convenceu-se
já faz tempo que pode conviver tranquilamente com a democracia
representativa, com eleições livres e com governos de esquerda, fazendo
disso poderosos elementos de pacificação social.
A MENTIRA DA REPRESENTAÇÃO
O governo representativo não é o governo do povo e a democracia burguesa
não é um instrumento de participação direta e de controle efetivo da
maioria sobre a sociedade. Ela é, pelo contrário, uma garantia de que essa
participação e esse controle não se tornem possíveis. A idéia de que o
eleitor decide os rumos da sociedade por meio do voto é uma mentira
descarada, que a vida real desmente o tempo inteiro e que serve apenas
para mascarar as brutais desigualdades de acesso e exercício efetivo do
poder político existentes na sociedade, decorrentes das diferenças de
poder econômico.

A verdade é que cotidianamente “o cidadão comum”, o mesmo que é bajulado e
acariciado nas campanhas eleitorais como soberano e senhor dos rumos da
sociedade, é distanciado dos processos de decisão política na esfera do
Estado, que no geral são tomadas sem o seu conhecimento e à revelia dos
seus interesses e das suas necessidades concretas. Além disso, “a mão que
afaga, é a mesma que apedreja”: toda vez que se organiza para conquistar
seus interesses por meio de sua própria luta, ele é obrigado a enfrentar a
violência da polícia e da justiça do Estado. Apenas um minuto depois de
votar o eleitor volta a ser o escravo de sempre, entregue às suas misérias
cotidianas, explorado, humilhado, visto com desprezo e chicoteado pelo
patrão, pela polícia e pelos carrascos que ele próprio elegeu.

As eleições revelam-se assim apenas um jogo sujo, no qual se simula a
busca do bem-comum e o atendimento das demandas e necessidades dos mais
pobres. O que se esconde, e cada vez pior, por trás do cinismo e da
canalhice das propagandas eleitorais, é a disputa pela obtenção de
privilégios materiais e políticos por meio da conquista de cargos no
Estado e da rapina dos recursos públicos para atender a interesses
particulares de parlamentares, dos partidos e frações de classe dos quais
fazem parte, e ao fim e ao cabo, voluntariamente ou não, garantir a
continuação de um sistema social desumano e injusto.

A representatividade é uma grande mentira, na medida em que a garantia de
direitos políticos formais é incapaz de garantir até mesmo a satisfação
das necessidades mais elementares de um número crescente de pessoas. A
sociedade capitalista zomba dessa legião de famélicos miseráveis que se
multiplicam como coelhos pelos campos e cidades do Brasil e do mundo. Eles
não possuem poder para decidir sequer se irão comer, se poderão cuidar da
saúde ou se terão um teto para morar. Esta é a grande barbárie que os
sistemas representativos se propõem ocultar e perpetuar.

A CRISE DA ESQUERDA

A crise da esquerda brasileira não é simplesmente um resultado do
descrédito provocado pelos escândalos do PT e do governo. Na verdade, o
que os petistas tornaram evidente foram os limites e o fracasso do próprio
projeto político da esquerda de privilegiar a via eleitoral e a conquista
do Estado. Em primeiro lugar, por que sua legitimidade é minada pela
própria crise do Estado, que não pode ser usado para promover políticas
reformistas de impacto e nem reverter o avanço da degradação das condições
de vida. Ela só pode governar em conformidade com as regras e os limites
institucionais de um Estado totalmente inserido e entregue aos ditames da
economia mundial, que ela pode até criticar enquanto ainda não é governo,
mas que querendo ela ou não, é obrigada a defender quando governa. Ao fim
e ao cabo, esta acaba sendo a principal condição de sua governabilidade.
Seu governo torna-se algo assim como um violino: a gente segura com a
esquerda e toca com a direita!

Em segundo lugar, por que as próprias disputas eleitorais obrigam os
partidos a afastar-se cada vez mais de suas aspirações programáticas de
cunho socialista (os que ainda possuem alguma!). Ainda que sigam mantendo
um discurso folheado por uma dourada retórica da ética e do socialismo,
seu “radicalismo” acaba sendo proporcional ao seu crescimento eleitoral e
político. Se quiserem disputar e ganhar eleições, precisam fazer
concessões à mentalidade paternalista e clientelista que são a marca
registrada das eleições no Brasil, visto que somente uma minoria vota por
concepções ideológicas ou baseada em identificações de classe. Além disso,
se não quiserem condenar-se à insignificância eleitoral dos pequenos
partidos, sem estrutura e sem recursos, os que querem ganhar eleições
precisam amarrar alianças oportunistas e recorrer a fontes de
financiamento capitalistas. Exemplo disso é a candidatura de Luciana Genro
(PSOL) à prefeitura de Porto Alegre, que recebeu 100 R$ mil reais da
Gerdau, o equivalente a 15% da verba prevista de campanha, que é de 700 R$
mil. A direção municipal do partido confirma e justifica: “É lógico que
seria muito melhor se os trabalhadores tivessem recursos para garantir o
financiamento de nossa campanha a partir de suas decisões soberanas. Mas
esta não é a realidade hoje. A opção de não aceitar recursos empresariais
em nenhuma hipótese, neste quadro, seria a de não realizar a campanha com
força de massas e com capacidade de disputa”. Interessante notar que,
contraditoriamente, a candidatura à prefeitura de Fortaleza pela Frente de
Esquerda Socialista (PSOL/PSTU), cujo candidato é Renato Roseno,
orgulha-se de dizer na sua propaganda política que não aceita receber
dinheiro de empresas, apenas de indivíduos. Posição que apenas o condena a
continuar eleitoralmente inexpressivo! São as regras do jogo...

A esquerda eleitoreira não tem como escapar da armadilha e precisa
legitimar o processo viciado das eleições, afinal de contas, é disso que
dependem os cargos, as contas do partido, os altos salários dos
parlamentares e assessores, os privilégios e posições de poder das
lideranças e burocratas partidários e até a ascensão social de uma parte
da militância. De meio, o partido passa a ser um fim em si mesmo, que
passa a viver da política e do Estado. Aquilo que ainda existe de luta é
substituída pelas disputas por cargos e pelo recolhimento às tarefas
administrativas e burocráticas, a utopia cede lugar ao realismo político e
a independência de classe às alianças oportunistas e à dependência
financeira, e, por fim, de atiradora de pedras ela passa a protetora das
vidraças.

AUTONOMIA, AÇÃO DIRETA E AUTO-ORGANIZAÇÃO ANTICAPITALISTA

A construção de resistências anticapitalistas exige desde já o abandono
das ilusões em torno dos que ainda advogam uma convivência pacífica entre
as classes e a idéia de que é possível humanizar e administrar o
capitalismo por meio do Estado e de políticas reformistas. Ao rejeitarmos
o capital, o Estado e sua democracia representativa, propomos como
alternativa a autonomia, a ação direta e a auto-organização das lutas
anticapitalistas. Defendemos o desenvolvimento de movimentos e lutas
sociais que sejam combativos e façam o uso mais amplo possível da
autonomia e da ação direta, ou seja, da capacidade de definirem seus
próprios objetivos, métodos de organização e de luta de forma
independente, sem submeter-se a qualquer partido político, governo,
empresa, etc. Ao contrário da representatividade, que consiste em
transferir a iniciativa e o poder para outros, na ação direta o que se
busca é a restituição da capacidade de decisão e ação que nos é alienada,
evitando assim que interesses contrários se sobreponham aos nossos.

É na luta que se aprende a lutar! Ela é uma ferramenta pedagógica que
impulsiona a reapropriação do poder de agir e decidir sobre nossos
próprios destinos, restabelecendo laços de apoio mútuo e de solidariedade
essenciais entre os protagonistas de um novo devir. Por isso, acreditamos
que os movimentos sociais e demais organizações populares devem buscar
formas de tomadas de decisão baseadas na democracia direta e na
auto-organização, decidindo seus rumos em assembléias horizontais com
participação igualitária e não-hierárquica, a partir dos locais de
moradia, trabalho, atividade cultural e estudo.

Por esses motivos, a Organização Resistência Libertária não se propõe a
funcionar para si mesma, mas a ser um instrumento inserido nas lutas
populares e nos movimentos sociais. Nossa inserção nestas lutas não visa
de forma alguma dirigi-las ou submetê-las a nossos próprios interesses,
mas contribuir para impulsioná-las, estimulando a autonomia, a
combatividade, a ação direta e a democracia direta, contribuindo para que
estas lutas ultrapassem as reivindicações imediatas, e assumam um caráter
revolucionário e de afirmação da necessidade de superação da sociedade
capitalista.

Vote nulo ou não vote!
Contra a farsa da eleição, autonomia e auto-organização!
Setembro de 2008

* Caixa Postal: 12155 Fortaleza - Ceará
* e-mail: resistencialibertaria(a)riseup.net

http://www.anarkismo.net

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Nas Próximas Eleições Regionais Não Votes


PORQUE OS ANARQUISTAS NÃO VOTAM

TUDO o que pode ser dito a respeito do sufrágio (voto) pode ser resumido em uma frase: Votar significa abrir mão do próprio poder. Eleger um senhor, ou muitos senhores, seja por longo ou curto prazo, significa entregar a uma outra pessoa a própria liberdade. Chamado monarca absoluto, rei constitucional ou simplesmente primeiro ministro, o candidato que levamos ao trono, ao gabinete ou ao parlamento sempre será o nosso senhor. São pessoas que colocamos "acima" de todas as leis, já que são elas que as fazem, cabendo-lhes, nesta condição, a tarefa de verificar se estão sendo obedecidas. Votar é uma idiotice.

É tão tolo quanto acreditar que os homens comuns como nós, sejam capazes, de uma hora para outra, num piscar de olhos, de adquirir todo o conhecimento e a compreensão a respeito de tudo. E é exatamente isso que acontece. As pessoas que elegemos são obrigadas a legislar a respeito de tudo o que se passa na face da terra: como uma caixa de fósforos deve ou não ser feita, ou mesmo se o país deve ou não guerrear; como melhorar a agricultura, ou qual deve ser a melhor maneira para matar alguns árabes ou negros. É muito provável que se acredite que a inteligência destas pessoas cresça na mesma proporção em que aumenta a variedade dos assuntos com os quais elas são obrigadas a tratar. Porém, a história e a experiência mostram-nos o contrário.

O poder exerce uma influência enlouquecedora sobre quem o detém e os parlamentos só disseminam a infelicidade. Nas assembléias acaba sempre prevalecendo à vontade daqueles que estão, moral e intelectualmente, abaixo da média. Votar significa formar traidores, fomentar o pior tipo de deslealdade. Certamente os eleitores acreditam na honestidade dos candidatos e isto perdura enquanto durar o fervor e a paixão pela disputa.

Todo dia tem seu amanhã. Da mesma forma que as condições se modificam, o homem também se modifica. Hoje seu candidato se curva à sua presença; amanhã ele o esnoba. Aquele que vivia pedindo votos, transforma-se em seu senhor. Como pode um trabalhador, que você colocou na classe dirigente, ser o mesmo que era antes já que agora ele fala de igual para igual com os opressores? Repare na subserviência tão evidente em cada um deles depois que visitam um importante industrial, ou mesmo o rei em sua ante-sala na corte! A atmosfera do governo não é de harmonia, mas de corrupção. Se um de nós for enviado para um lugar tão sujo, não será surpreendente regressarmos em condições deploráveis.

Por isso, não abandone sua liberdade. Não vote! Em vez de incumbir os outros pela defesa de seus próprios interesses, decida-se. Em vez de tentar escolher mentores que guiem suas ações futuras, seja seu próprio condutor. E faça isso agora! Homens convictos não esperam muito por uma oportunidade. Colocar nos ombros dos outros a responsabilidade pelas suas ações é covardia...

Não Vote!!!

Élisée Reclus

domingo, 31 de agosto de 2008

A Natureza Desprezada



O homem já não ama a natureza: proprietário, vende-a, aluga-a, divide-a por acções, prostitua-a, trafica-a, torna-a objecto de especulações; cultivador, atormenta-a, viola-a, esgota-a, sacrifica-a à sua impaciente cupidez, nunca se une a ela" Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)

Para saber mais sobre este filósofo, grande teórico do anarquismo, consulte os seguintes links:

ANOVIS ANOPHELIS

Pierre-Joseph Proudhon