terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O voto? – Nem secreto, nem masculino, nem feminino.


O voto secreto? – A confissão pública da covardia, a confissão pública da incapacidade de ostentar a espinha dorsal em linha reta, a confissão publica do servilismo e da fidelidade aviltante de uns, do dominismo das mediocracias legalmente organizados.
Democracia? – Ferrero a definiu: “este animal cujo ventre é imenso e a cabeça insignificante”…
O voto não é a necessidade natural da espécie humana: é uma das armas do vampirismo social. Se tivéssemos os olhos abertos, chegaríamos a compreender que o rebanho humano vive a balar a sua inconsciência, aplaudindo à minoria parasitária que inventou-a e representa a “tournée” da teatralidade dos governos, da política, da fosca armada, da burocracia de afiliados – para complicar a vida cegando aos incautos, a fim de explorar a todo o gênero humano em proveito de interesses mascarados nos ídolos do patriotismo, das bandeiras, da defesa sagrada dos nacionalismo e das fronteiras, da honra e da dignidade dos povos …
Depois, a rotina, a tradição, a escola, o patriotismo cultivado, carinhosamente, para que carneirada louve, em uníssono, o cutelo bem afiado dos senhores. A religião, a família se encarrega do que falta para desfibrar o individuo.
O voto, a legislação interesseira e mesquinha dos pais da Pátria, Parlamentos, Senados, Consulados, Ditaduras, Impérios, Reinos, republicas, Exércitos, Embaixadores, Mussolini – “escultores de montanhas”, símbolos da cegueira do rebanho humano, ídolos que substituem e se equivalem, brinquedos perversos de crianças grandes, sonhos transformados em “verdades mortas”, infância, atavismo de paranóicos…
A política é um trapézio.
Direito do povo, sufrágio universal… Palavras. Dentro do demagogo há uma alma de tirano. Caída a máscara que atraiu o rebanho humano, o ditador salta no picadeiro da política, as duas mãos ocupadas: em uma, o “manganelo”; na outra, o óleo de rícino…
Tem razão Aristóteles: “O meio de chegar à tirania é ganhar confiança da multidão: o tirano começa sempre por ser demagogo. Assim fizeram Pisistrate em Athenas, Téagéne em Mégara, Denys em Syracusa.”
Assim fez Mussolini.
Quando Ruy Barbosa, por exemplo, falava tão alto contra os nobres pais da pátria, é porque tinha na alma o despeito louco de não ter sido elevado ao pico máximo da vontade de poder.
Em política, age-se de modo inverso: os tribunos demagogos adulam o povo, elogiam a soberania do povo, proclamam dos direitos do povo, prometem a felicidade do povo e sobem empurrados pela embriaguez nacionalista e pelo servilismo e docilidade do povo, mas mais representado pela “populaça de cima”…
Quem quiser subir aos picos da vontade de poder, não procura as vozes desassombradas e nem toma decisões sem ouvir a direção de seu partido. Obedecer é a escola de quem quer mandar.
O político é um acrobata e, para alguém ser acrobata tem que principiar cedo a deslocar todas as juntas…
O político quando sobe às culminâncias da glória e do poder, já se dobrou tanto, já se curvou já se humilhou, já fez de tal modo o corpo de arco e a alma em camaleão que é capaz identificarem-se com o molusco.
Como deve ser difícil engolir a liberdade de opinião, a liberdade de consciência, a liberdade da imprensa, a coragem de proclamar altas as convicções – se fazemos parte de um partido definido, com declaração de princípios e afirmações categóricas e ação metodicamente organizada para derrubar partidos contrários ou dogmas religiosos que vêm ferir os nossos dogmas e pôr diques à nossa desenvoltura apostólica!…
Quando a imprensa é só louvor aos “eleitos” de cada partido político; se ninguém quer senão o que interessa aos seus planos e aos projetos e decisões do seu partido; se todos se preocupam com o cidadão e desprezam o homem livre, se se trata de ser sempre contra alguém, para subir, para vencer, custe o que custar; se obedecemos à lei em prejuízo da consciência; se fechamos os olhos para ver e nos servimos da lógica como instrumento para abafar as vozes sinceras; se semeamos o ódio e as ambições, nas farsas patrióticas do nacionalismo de partidos a se digladiarem pelo osso da vontade de poder, pelo osso do domínio pela gloria política – abrimos alas a uma ditadura mussolinesca como todas as arlequinadas do “manganello”, batuta da orquestração paranoica do atavismo elevado à altura de gênio, e que há de representar, condignamente a dignidade de Cônsul, como aquele cavalo célebre…
Também nós insensivelmente, pouco a pouco, preparamos o ambiente para que surja, neste país, um capataz, rebenque em punho, para Gaudio dos acrobatas moluscos das democracias de demagogos.
Somos uma nação de leis.
E Sócrates já dizia: “é a lei que corrompe os homens. Quem quer que aconselhe: ‘Obedeça à lei’ – é corruptor aos olhos do filósofo. Mas, quem quer que aconselhe: ‘Obedeça à tua consciência’ – é corruptor aos olhos do povo e dos magistrados”. (Han Ryner- “Les véritables estretiens de Socrate”.)
E, a propósito da liberdade da imprensa, lembremo-nos ainda de Sócrates: “Parece-me bem insignificante a coragem que acha temíveis certas verdades.”
Que será preciso para ser político ou servir a amigos políticos? – Ouvir, observar, acatar, obedecer, curvar-se ante os poredros da política, louvar ao povo, cantar a soberania do povo, prometer liberdades e… Fazer ginástica.
Cada um de nós tem o direito a si mesmo. Ninguém pode exigir da consciência de outrem.
Os homens se esqueceram da própria realização interior – para cuidar de todas as necessidades perfeitamente desnecessárias, criada pela avidez do progresso material, do gozo, do luxo, da ociosidade, criadas pelo cupidez do capitalismo absorvente e pela perversidade inominável do industrialismo de tudo, inclusive das consciências, organização social de caftense de vampiros do sentimento humano, mantida pela policia, pelo capital, pelas religiões dominantes, que separa os humanos em vez de unir, e pela força armada – escola que chacina para formar almas de canibais condecorados.
Cada um de nós tem o seu governo interior: tudo que vem de fora, não constituindo uma nota de beleza, de harmonia vibrando em uníssono com a nossa harmonia – é a violência, é ódio que gera o ódio. Mandar, como obedecer, é covardia: degrada, avilta, imbeciliza o gênero humano.
Maria Lacerda de Moura
Amai e… Não vos multipliqueis
Ano 1932
Editora: Civilização Brasileira
Paginas 56 a 60
Digitalizado por Dança das Ideias.
http://ateneudiegogimenez.wordpress.com/2010/12/06/a-politica-nao-me-interessa/