sábado, 13 de outubro de 2007

Posição da FACP acerca do «Tratado da União Europeia»facp-geral(a)riseup.net

Preparam-se os Chefes de Estado e de Governo para discutir e talvezaprovar com carácter definitivo um tratado europeu. A natureza destedocumento não pode passar despercebida. O nome em si, apenas quer dizer que é um texto negociado e acordado entre várias partes, nestecaso os Estados que compõem a UE, actualmente. No entanto, este tratado é uma constituição, para todos os efeitos, pois virá enformar e condicionar todas as legislações nacionais inclusive nos domíniosque tocam com a forma de governo, de organização social e económica decada Estado. A retirada da palavra «constituição» constitui umasimples artimanha linguística, daquelas às quais nos vão habituando, equando se trata de retirar autonomia, dizem que serve para existir«mais» autonomia, idem, com as liberdades, sejam elas de carácterlaboral e social ou ao nível da expressão pública individual.
Este tratado é um jogo de poderes, que passa totalmente ao lado (oupor cima) dos cidadãos. Nem sequer os ditos «representantes» eleitosdos mesmos (os deputados) têm a oportunidade de perscrutar asdiferentes versões que os governos têm negociado entre si. Mas note-seque nem por isso, os partidos e os seus deputados têm esboçadoqualquer protesto, o que os torna cúmplices neste processo. De resto, os partidos mesmo os ditos de esquerda, apenasfalam do referendo e não denunciam o próprio tratado. A regressão dademocracia espelha-se aqui de forma bem clara, pois o ideal que nosera classicamente apresentado como recolhendo o «ámen» de regime«democrático» foi completamente subvertido. Subvertido, mas no sentidode esvaziar de qualquer substância ou influência (por muito diluída)das aspirações populares, á armação de um regime.
Existem razões suficientes para se rejeitar totalmente este tratado,não só porque ele é feito á revelia dos cidadãos, mas também porqueeste irá ajudar a consolidar o desmantelamento e privatização dasáreas públicas ao blindá-las pela lei à hipótese de regressão e irá,ainda, fomentar o desmantelamento dos direitos laborais, tornando otrabalhador num joguete, numa mercadoria maleável aos interesses dospatrões. O poder dos governos será soberano em todo o processo. Nãohaverá referendo, desta vez. Este simples facto mostra à saciedade quea UE é um enorme monstro burocrático, apenas preocupado com umamaquilhagem democrática.
Num país cujo nível de vida tem vindo a afastar-se constantemente doconjunto dos países da UE e a ser ultrapassado em índices de bem-estardas populações por muitos novos aderentes, apesar de vários destesterem sofrido um grande abalo com a queda do «capitalismo de estado»,o dito «socialismo real», e a substituição pelo capitalismo «liberal»,selvagem e mafioso; num país que viu a sua agricultura e pescasdesmanteladas, sem outro fim que criar uma coutada para os países docentro; num país em que a indústria é um mero apêndice de grandesmultinacionais que se implementam (e continuam) apenas atraídas pelapolítica de baixos salários e concessão de isenções e facilidadesdiversas - e note-se que a política de baixos salários foi prosseguidapor todos os governos, sem excepção, política que tem castigadoduramente os trabalhadores, cujo salário mediano, de 650 €, é inferiorao salário mínimo de muitos outros países da Europa Ocidental (1) -;num país que assiste à privatização de todas áreas públicas (educação,saúde, segurança social e infra-estruturas); num país a que o direitoao trabalho é substituído por um trabalho mercadoria; a este país,este tratado só irá servir para piorar a situação.
Com o tratado, veremos as contas orçamentais ser mantidas sob«controlo» ainda mais - ou seja contenção e compressão salariais - comcongelamento do salário nominal e perda de poder de compra dossalários reais, bem como veremos cortes, também, ainda mais brutais emáreas fundamentais como a saúde e educação, acrescentando o acelerarda precarização das condições de trabalho. Ainda assim se escutará alengalenga de que isto é erigido em função de um «desígnio nacional»,quando, de facto, isto apenas servirá para enriquecer ainda mais umaelite de empresários/patrões e empobrecer a classe trabalhadora, quecom o seu trabalho e suor construiu toda a riqueza, apropriada poressa mesma elite, a que o Estado serve, perdoando-lhes constantementedividas ao fisco e aliviando-lhes os impostos, enquanto ostrabalhadores são massacrados com subidas incomportáveis.
Infelizmente, vemos uma grande parte das pessoas alienada da discussãodos problemas que lhes dizem respeito, isto apesar de irem constatandoa realidade podre que as rodeia, e, por isso, apelamos a todos astrabalhadoras e trabalhadores, jovens e reformados, de Portugal, quesó temos a perder com este Tratado e com todos os tratados que ogoverno e os patrões nos querem impor. O caminho é a luta nas ruas, porque os direitos não se mendigam, conquistam-se!
Porém, não podemos estar contra os outros trabalhadores/trabalhadorasda Europa. Uns mais do que outros e uns num grau maior ou menor, semdúvida, mas todos estão vão ser vítimas de uma imposição brutal de umtratado, que não reflecte nem as suas aspirações; nem as suasverdadeiras necessidades; nem corresponde minimamente ao seu sentidoprofundo de democracia, que não se resume a um mero formalismo. Temos de dar-nos as mãos e organizar um repúdio deste tratado que surja comouma vaga de fundo, como um tsunami, resultante do sobressalto daconsciência colectiva e da compreensão de que o nosso futuro éhipotecado pelo domínio de grandes transnacionais e de capitaiseuropeus. Esta Europa, que estão construindo a marchas forçadas, nascostas dos seus respectivos povos, é a Europa super potência com quesonham políticos ambiciosos, concorrente dos EUA.
Esta "eurocracia" tem estado a fomentar guerras imperialistas nospaíses dependentes ou a fazer os exércitos europeus participar ao ladodos EUA no Afeganistão para reclamar o seu quinhão, em guerras sobbandeira da NATO. Não podemos dar-lhe qualquer «benefício da dúvida»,ela quer dominar como sempre dominou os povos: com a intimidação,ameaça da repressão e repressão a quente sempre que necessário: é porisso que ela precisa destas leis celeradas que a pretexto de segurançapõem qualquer cidadão completamente exposto à devassa da sua vidacívica e pessoal, permitindo a perseguição política, a prisãoindefinida e sem culpa formada, como nos totalitarismos de má memóriado século XX. Mas como não podem obter o consentimento para estamonstruosidade sem primeiro anestesiar o cidadão, têm de promover ailusão de bem-estar com uma dose imensa de propaganda, de lavagem aocérebro «soft».
Para completar o quadro, obtém as elites do poder europeu mão-de-obrados países «menos afortunados», que desesperadamente tentam alcançar o«Eldorado», com um elevado custo em vidas: o mediterrâneo é a maiorvala comum desta história, mas não a única! Desta forma, eles têm umamassa dócil que se deixa explorar violentamente, fazendo baixardrasticamente o nível das remunerações, na agricultura e na indústria,com aumento do exército de reserva, os desempregados de cada país, quese contentarão em alternar períodos de trabalho precário comdesemprego.
E é este o brilhante futuro que espera as jovens gerações (2).
Nãoqueiras um futuro negro!!Contra a Europa fortaleza e contra o capital, pela liberdade eautonomia do campo popular, pela autogestão das lutas, no local detrabalho, nas ruas, nas escolas, em todo o lado! Pelo anarquismo!
Federação Anarquista Comunista de Portugala 07 de Outubro de 2007facp-geral(a)riseup.net
(1) Isto significa que mais de metade da classe trabalhadora portuguesa ganha o mesmo ou menos que o salário mínimo médio da Zona Euro!
(2) Relembre-se aqui «O Processo de Bolonha» que visa facilitar aprivatização do Ensino Superior, prosseguindo a estratégiamercantilizadora dos serviços públicos como acontece nos EstadosUnidos; favorecer as instituições e economias dos principais centros económico-financeiros europeus; elitizar o acesso aos mais elevados graus de ensino, reproduzindo e acentuando (através da desigual distribuição de conhecimento entre os que podem pagar e os que não opodem fazer) as graves desigualdades sociais; criar trabalhadores mais baratos, aumentar a exploração, sendo a aquisição do conhecimento responsabilidade do trabalhador e não um direito de todos.

Este comunicado foi consensuado na Assembleia Fundacional da FACP, Federação Anarquista Comunista de Portugal, em 5-6-7 de Outubro de2007