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Adriano Botelho, um anarquista açoriano desconhecido na sua terra



Adriano Botelho, uma anarquista açoriano desconhecido na sua terra

No dia 26 de julho de 1989, o jornal Correio dos Açores noticiou o surgimento de uma nova edição da Secretaria Regional da Educação e Cultura, da Região Autónoma dos Açores: o livro “Adriano Botelho – Memória e Ideário”, uma antologia de textos organizada e prefaciada por Carlos Abreu e João Freire.

A notícia referida, talvez a única num jornal açoriano em que nome de Adriano Botelho é mencionado e uma pequena nota biográfica, da autoria de Carlos Enes, inserida na Enciclopédia Açoriana (1) são a prova de que os poderes instituídos estão mais interessados em dar a conhecer intelectuais amorfos, políticos retrógrados, pretensos fidalgos e quejandos, esquecendo-se de gente séria, modesta e boa e de quem perfilha ideias progressistas e/ou age para acabar com uma sociedade injusta.

Nesta pequena nota, pretende-se por um lado homenagear o anarquista açoriano que não traiu os seus ideais e dar a conhecer um pouco da sua vida e obra para que não caiam no esquecimento e sirvam de exemplo às novas gerações.

Adriano Inácio Botelho nasceu em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, a 12 de setembro de 1892, tendo lá residido até 1907, ano em que foi viver para Ponta Delgada, ilha de São Miguel, onde completou o curso dos liceus, em junho de 1909.

Embora tenha ouvido falar, por volta dos seus 12 ou 13 anos, através do seu professor de História, Geografia e Francês do liceu de Angra do Heroísmo, onde frequentou os primeiros cinco anos, de socialismo que era segundo aquele “a doutrina da igualdade económica” e se ter sentido “entusiasmado por esse sociedade, em que não haveria pobres e ricos”, até 1909, ano em que saiu de São Miguel não tinha “ideias político-sociais assentes”.

Chegou a Lisboa em outubro de 1910, onde se matriculou na Escola Politécnica com o objetivo de concorrer à Escola de Guerra. Como os estudos não correram bem, foi para Coimbra pouco depois da instauração da República, tendo aí acompanhado a agitação que “reclamava os cursos livres e a criação duma faculdade de Direito em Lisboa”. Foi nessa ocasião que aderiu ao anarquismo, tendo lido “o livro do Dr. Eltzbacher sobre as doutrinas anarquistas” bem como vários livros de Pedro Kropotkine que adquiriu e que Aurélio Quintanilha lhe emprestou.

Em junho de 1914 abandona Coimbra sem ter terminado a licenciatura em Ciências e foi para Lisboa. Como encontrou dificuldades em conseguir um emprego pensou ir para Paris e depois para os Estados Unidos da América, onde tinha familiares, tendo para tal regressado nos fins de 1914 para os Açores para dali seguir para a América do Norte.

Terminada a Guerra e cansado de esperar pela ida para os Estados Unidos, regressou a Lisboa em setembro de 1919. Foi aí que, através de Aurélio Quintanilha, também natural de Angra do Heroísmo e seu colega no liceu e na Universidade de Coimbra, que contatou com Alexandre Vieira, diretor do jornal “A Batalha”, tendo passado a colaborar com aquele jornal numa secção sobre o movimento sindical e libertário estrangeiro.

A sua maneira de ser fazia com que tivesse dificuldade em manter relações sociais e mesmo conversar só o fazia e pouco com quem se entendia bem. Além disso, a sua entrada para organizações libertárias, onde segundo ele “a principal colaboração foi dada por escrito, atirando como o semeador com o grão à terra, mas deixando que este se desenvolvesse por si, onde encontrasse terreno propício”, deu-se forçando-se um pouco a si próprio.

Após a Primeira Conferência Anarquista da Região Portuguesa que se realizou em maio de 1923, em Alenquer, e onde foi constituída a UAP – União Anarquista Portuguesa, foi constituído um grupo de que Adriano Botelho fez parte, por sugestão de outro açoriano, também natural de Angra do Heroísmo, António José de Ávila, que mais tarde se designou O Semeador. Adriano Botelho, também, fez parte do C. R. da Federação Anarquista da Região Centro, uma das federações regionais em que a UAP estava organizada.

Em 1926, Adriano Botelho foi nomeado para o Conselho Confederal da CGT – Confederação Geral do Trabalho, organização anarco-sindicalista criada a 13 de setembro de 1919, onde se manteve até 1931, ano em que pediu a demissão e escreveu o folheto “Da Conquista do Poder”.

Francisco Quintal, na nota introdutória à reedição do folheto feita, em 1979, pelo Grupo Cultura e Ação Libertária (2), justifica a mesma pelo facto de constituir “uma demonstração clara e eficiente da inutilidade do Estado” e pela sua atualidade então, e dizemos nós ainda hoje, pois vivia-se “numa época em que o corpo do Estado, em plena decomposição, está a ser assaltado por uma multidão de necrófilos constituída por aqueles que, hoje mais assanhados do que nunca e ostentando rótulos que não correspondem às suas ambições, pretendem conquistá-lo […] procurando assim reviver o estafado lema de que o poder é necessário como guia orientador dos povos”.

Em 1932, Adriano Botelho, a pedido de Mário Castelhano voltou para o Comité Confederal, sendo este responsável pela criação do comité que preparou a Greve Geral de 18 de janeiro de 1934, que não contou com a sua presença.

A entrada de anarquistas espanhóis para o governo, durante a Revolução Espanhola de 1936-1939 causou, em Adriano Botelho, “uma profunda revolta, cheia de ódio contra os prevaricadores e seus defensores que se convenceu “de que o que era mais necessário era a divulgação das doutrinas anarquistas” e convencido que não assistiria ao derrube do regime fascista começou “a distribuir jornais e folhetos, entregando alguns a camaradas de Almada e enviando outros para Edgar Rodrigues, no Brasil”.

Embora sempre dissesse que não queria voltar a participar na atividade da CGT, acabou por aceitar pertencer ao grupo que tentou a sua reconstituição, quando os resultados da Guerra de 1939-1945 começaram a ser favoráveis às “democracias”, tendo feito parte dos comités confederais até ao seu desaparecimento por volta de 1965.

Adriano Botelho que sempre preferiu no movimento específico anarquista dedicou quase toda a sua vida a divulgar os ideais em que acreditava, tendo sido, segundo Correia Pires (3), um “excelente jornalista e não houve nenhum jornal anarquista no tempo que não colaborasse e até nos jornais operários como “A Batalha”, “A Comuna”, a “Aurora” e muitos outros”.

Depois do 25 de abril de 1974, Adriano Botelho continuou a sua labuta, tendo colaborado com a “Voz Anarquista” e em maio de 1974 escreveu o texto “Ao Povo Português”, onde mostra alguma esperança na construção da sociedade que ele tanto almejou, uma “sociedade baseada na completa liberdade dos indivíduos, simplesmente limitada pela liberdade igual dos restantes.” Segundo ele, na sociedade pretendida haverá a “socialização (não nacionalização) de todos os meios de produção (terras, fábricas, minas), entregues aos próprios trabalhadores, para serem utilizados em benefício da coletividade e não de minorias parasitárias” e onde “será abolido o escravizante regime do salariato e cada um produzirá, segundo as suas forças e consumirá segundo as suas necessidades. Aliás esta é a forma praticada no seio de todas as famílias moralmente constituídas”.

Nos seus escritos, Adriano Botelho abordou os mais diversos temas de que são exemplo, a história do movimento operário e anarquista em Portugal, a luta contra o salazarismo, os acontecimentos no estrangeiro, nomeadamente os associados à Revolução Russa e à Guerra de 1936-39 em Espanha, a organização e a propaganda anarquista, o sindicalismo, a religião e a ciência, os espetáculos imorais, etc., etc.

Sobre as touradas de praça, um dos espetáculos imorais referidos, Adriano Botelho escreveu, a 10 de agosto de 1925, no suplemento ilustrado d’A Batalha, o seguinte: ”…fazem-se por outro lado, reclames entusiastas de espetáculos, como as touradas de praça onde por simples prazer se martirizam animais e onde os jorros de sangue quente, os urros de raiva e dor e os estertores da agonia só podem servir para perverter cada vez mais aqueles que se deleitam com o aparato dessa luta bruta e violenta, sem qualquer razão que a justifique” e acrescentou: “E - caso assombroso! – já se chegou até ao arrojo de se condecorar por atos de filantropia um toureiro qualquer, digno filho da Espanha fradesca e reacionária, como se na arte de atormentar barbaramente animais – quase sempre colocados em desigualdade de circunstâncias para a defesa – pudesse haver algo de generoso e altruísta”.

Tendo vivido apenas cerca da quinta-parte da sua vida nos Açores, Adriano Botelho escreveu muito pouco sobre a sua terra natal. Com efeito, sobre os Açores apenas conhecemos o texto “Independência dos Povos” que foi publicado pela primeira vez no número 24 da “Voz Anarquista, de Agosto de 1977.

No texto mencionado, depois de mencionar que a situação dos Açores é diferente da “dos outros povos colonizados por Portugal, na África, Ásia e América”, onde os seus habitantes foram escravizados e alguns vendidos “como animais de carga”, Adriano Botelho afirmou que “nas camadas populares não existem, em geral, ideias de integração na república norte-americana e muito menos aspirações separatistas”.

Segundo Adriano Botelho, apenas “alguns magnatas da ilha de S. Miguel, preocupados sobretudo com a situação que lhes possa melhor garantir a sua privilegiada posição”, sem muitos seguidores nas outras ilhas, terão aspirações separatistas. O povo, por seu turno, escreve Adriano Botelho” continuará explorado e oprimido, evidentemente enquanto estiver sob o domínio de qualquer Estado: Açoriano, Português ou Norte-Americano, pois só com o desaparecimento desta instituição, como aliás em todo o mundo, é que ele conseguirá libertar-se integralmente”.

São Miguel (Açores), 1 de maio de 2017
Teófilo Braga

(1) http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/?id=7376
(2) http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/projecto/components/com_library/texts/14_BNP_AHS3813.pdf
(3) Introdução ao folheto “Ao Povo Português”.

BIBLIOGRAFIA

Abreu, C., Freire, J. (1989). Adriano Botelho memória e ideário (antologia de textos). Angra do Heroísmo: Direção Regional dos Assuntos Culturais.
Botelho, A. (1974). Ao Povo Português. Almada: Delegação de Almada do Movimento Libertário Português.

(A Ideia, 81/83, outono de 2017, p: 250 e 251)