
Antero de Quental
A Internacional!
Palavra terrível, dizem uns: palavra sublime, respondem outros.
Quem terá razão?
A Internacional é hoje o campeão do movimento socialista. Antes, pois, de explicarmos quais sejam as ideias e a organização desta famosa Associação, convém dizermos duas palavras sobre o Socialismo, cuja bandeira ela ergue com mão robusta no meio das nações.
O SOCIALISMO CONTEMPORÂNEO
O que é Socialismo?
Será um parto monstruoso, filho das paixões, da inveja, do espírito de anarquia? Será uma doutrina extravagante, sem raízes na natureza humana, sem precedentes na história dos povos?
Não! O socialismo, tão antigo como a injustiça e a opressão do pobre pelo rico, do desvalido pelo poderoso, não é mais do que o protesto dos que sofrem, contra a organização viciosa que os faz sofrer. E a reclamação da justiça e da igualdade nas relações dos homens; dos homens que a natureza criou livres e iguais, e de que a organização social fez como que duas raças inimigas, uma que manda, goza e oprime, outra que obedece, trabalha e sofre: dum lado, senhores, aristocratas, capitalistas: do outro, escravos, servos, proletários!
No dia em que esta desigualdade monstruosa e ímpia apareceu no mundo, apareceu também logo a protestar contra ela, o Socialismo.
O Socialismo não é de hoje nem de ontem. Todos os grandes pensadores, desde Pitágoras, e Platão, e Cristo, e os Gracos, e os santos da primitiva igreja, e os fundadores das ordens monásticas, todos reclamaram contra a miséria e a desigualdade, em nome do direito natural e inalienável que todo o homem tem à vida, ao bem-estar, aos meios de desenvolver a sua actividade, trabalhando, à família e à instrução. A todos eles fez o espectáculo da injustiça social soltar palavras de amargura e indignação.
Este movimento socialista renasce com mais força do que nunca no século XIX. Porquê?
Porque o século XIX é o século das grandes reivindicações. Porque neste século científico e positivo o povo proletário, depois de iludido durante centenas de anos por falsas promessas de melhoramento, que nunca se realizavam, da parte dos reis, dos sacerdotes e dos poderosos, convenceu-se finalmente que não era dessas classes interessadas na sua miséria que devia esperar o livramento, mas só de si, do seu esforço, da sua virtude e da sua união! O povo teve consciência do seu direito ultrajado, do seu trabalho menosprezado, sentiu uma voz íntima dizer-lhe que também os filhos do povo eram homens, e como tais deviam levantar as cabeças, e conquistar para si na sociedade o lugar que compete a homens livres e dignos!
Meditou então, e perguntou: por que sofre o povo? porque é que aqueles de cujas mãos sai todo o trabalho, toda a produção, toda a riqueza, todas as condições primárias do progresso e da ilustração, vivem na miséria, na ignorância, na abjecção? Porque é que a ociosidade que nada produz, tem a melhor parte do sol e da luz das sociedades, enquanto que a actividade, que tudo fecunda, vegeta numa obscuridade húmida e doentia? Qual é a causa desta ímpia desigualdade?
E a voz da Justiça, de acordo com a voz da Ciência, respondeu: porque a sociedade está constituída sobre uma base injusta, que em vez de servir para o melhoramento das condições de todos, serve só para o engrandecimento de alguns poucos, à custa do maior número. O princípio falso do egoísmo preside por toda a parte às relações sociais dos homens, em vez do santo princípio da fraternidade; e o mundo, em vez de nos apresentar o espectáculo consolador duma só família humana, uma família de irmãos, apresenta-nos o quadro cruel dum vasto e confuso campo de batalha, onde cada homem é um combatente que só procura engrandecer-se com os despojos daqueles que devia considerar como seus irmãos!
Há, efectivamente, um grande combate travado; há dois exércitos e duas bandeiras inimigas: dum lado o Trabalho, do outro o Capital: dum lado aqueles que, trabalhando, produzem: do outro lado aqueles que, sem esforço, e só porque monopolisaram os instrumentos do trabalho, terras, fábricas, dinheiro, vivem da pesada contribuição que impõem a quem, para produzir e viver, precisa daqueles instrumentos, daquele capital.
O Capitalista diz ao Trabalhador: se queres produzir, se queres viver, se queres existir, aceita submisso as minhas condições, recebe a minha lei, sê o meu criado e o meu servo: eu apreciarei o teu trabalho, darei por ele o que entender e quiser, serei o teu director, o teu amo, o teu tirano, e só assim terás tu direito a existir! Se essas condições te parecerem duras, cruéis, inadmissíveis, deixo-te nesse caso a liberdade de morrer de fome, a liberdade da inanição!
É isto justo? É isto humano? Não, mil vezes não: e todavia é esta a cruel realidade! A concorrência e o salário põem o trabalho à mercê do capital: e este, sentindo-se forte, extrai do trabalhador tudo quanto ele produz, deixando-lhe apenas o suficiente para não morrer, isto é, para poder continuar a trabalhar!
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